ATOS NEGROS - setembro 6, 2021

Livro 0.1 – Nem todos podem ser

‘- Antes dessa merda toda o mundo era bem diferente, era mais “colorido”, todo mundo podia ser alguma coisa, um alguém, ou ao menos era isso que te vendiam, você podia ter um pau maior, podia ficar rico sem sair de casa, podia investir num mercado que nunca sequer ouviu falar e o seu dinheiro ia crescer como uma DST no pau de um playboy em Amsterdã… Era um mundo muito bonito, talvez por isso o “cara lá de cima” tenha desistido da porra toda, a piada acabou ficando sem graça… – Hannow acende outro cigarro e observa se a brasa permanece acesa ou não.

– A verdade é que sempre existiram pessoas de verdade, sabe, aquele cara que você chamava quando as coisas ficavam feias, eu era um desses, assim como os eletricistas, os médicos, os pediatras e o cara que vinha drenar a sua fossa, homens e mulheres de verdade, que não ligavam com os sonhos glamorosos que a televisão e a internet vendiam, porque a verdade era essa, esses sonhos eram só coisas imbecis para pessoas burras dormirem e sonharem acordadas enquanto tudo ao redor delas desmoronava, ninguém queria se dar ao trabalho, ninguém queria enfiar a mão na merda e resolver o problema, sempre haveria alguém que precisasse mais da grana pra fazer isso por você e isso criou uma geração de pessoas que acreditavam que o dinheiro podia pagar e comprar tudo, amor, sexo, conforto e qualquer coisa que passasse na sua cabeça… – Hannow percebe sua garrafa vazia e simplesmente a encosta num poste, solta um sorriso sem graça, continua o passo e diz – Porém naquela época, onde tudo parecia muito fácil, eu conheci um bicho do lado de lá e ele sempre dizia “seus bostas, dinheiro é só papel”, no começo eu ria bastante quando o conheci, mas com o tempo percebi que havia muita sabedoria naquela piada, ele não aceitava dinheiro pelos seus trabalhos, ele não ligava pra dinheiro mas ele sabia que boa partes de nós, “seres humanos, favoritos de Deus” podia ser comprado com um simples punhado de papel… ELE tava certo, eu ouvi o que ele disse, mas aqueles caras ali que eu vou ter que bater um papo “amigável”, te garanto, eles não levaram isso a sério.

Um bar cheio de “alguéns”, pessoas que não tem realmente um nome, mas sobrenomes e que alguns desses estão na etiqueta da sua cueca, ou na frente do seu carro, até talvez no seu ferro de passar, eles não são pessoas são patrimônios polidos por anos e anos de trabalho de calos, mortes, miséria e um bando de chineses e indianos passando fome. Intocáveis, realmente eram, mas hoje em dia no meio dessa merda toda? São caras pequenos atrás de homens fortes com ternos baratos, Deus não tá mais aqui, mas o Diabo… Tá pagando boquete pra alguém numa esquina próxima…

Hannow parece seguro demais prum cara pequeno e vestindo roupas de 5 anos atrás, a Lapa era um bairro boêmio, mas hoje em dia estava infestado de pessoas que nem falavam português e de garotos que já tinham contas bancárias de adultos, o malandro, esse infelizmente já tinha morrido de fome a bastante tempo, não existia mais samba ou pagode lá mas sim qualquer merda que estivesse no trend toppic da Billboard, ou que algum idiota tivesse lançado em alguma rede social vazia… Essa era a Lapa, e se tava tudo tão errado, por que não fuder ainda mais com a porra toda? Hannow tinha que começar um serviço e só aqueles velhos-moços cheios de dinheiro poderiam dar o endereço que ele precisava, e a verdade era bem simples, num mundo que até Deus abandonou, ter medo de um bando de gorilas armados e de terno parecia uma diversão interessante pra noite.

– Boa noite mocinhas – Dizia Hannow abrindo os braços com o cigarro pendurado na boca enquanto 2 seguranças com o dobro do tamanho dele revistavam suas pernas e costas – Com carinho pra eu não me apaixonar, seu patrão sabe que eu gosto de coisas mais “violentas”.

Um dos homens ao fundo se levanta com um sorriso debochado, abrindo os braços e falando qualquer coisa em qualquer idioma que provavelmente nem ele mesmo entendeu, porém todos na mesa prontamente riram e os seguranças após verem as confirmações nos olhos de seus contratantes também sorriram com cara de idiotas.

Era uma simples pizzaria, uma tal de “Pizzaria Guanabara”, o point de todos que quisessem conhecer a noite na Lapa no Rio de Janeiro, um restaurante à céu aberto e que sobrevivia com as suas histórias de grandes bêbados e drogados que antes e depois de ficarem famosos frequentavam aquele local, afinal, era só uma pizzaria cercada de bares e de pontos de vendas de droga e prostituição… quer algo melhor que isso?

Depois de todas as “formalidades” que pessoas ditas importantes exigiam de pessoas ditas comuns, Hannow sentou numa mesa que com certeza estava precisando de manutenção a anos, porém, ainda era uma mesa “da pizzaria Guanabara”, ela podia ter cupins entrando no seu rabo enquanto você comia uma pizza mais grossa que uma sola de botas, mas ainda seria uma “pizza Guanabara” … Tentando se ajeitar naquela cadeira fodida e olhando para o bando de imbecis à sua frente que fumavam cigarros eletrônicos, Hannow acende um cigarro e pergunta.

– Onde está o pintor?

A música imbecil que tocava ao fundo misturando funk, com música nordestina e alguma merda porto riqueña simplesmente parecia ter parado depois da pergunta, os jovens de 30 e tantos anos que sentados e rindo na frente de Hannow engoliram suas fumaças vaporizadas com aromatizantes de “sei lá que porra eles estão fumando”, e até seus gorilas de estimação educadamente colocaram as mãos nos seus coldres.

Um deles, mirrado, não deveria ter mais que 19 anos, vestido como se tivesse voltado de um baile de formatura, carregando até um broche, obviamente dourado na lapela de seu terno, levanta da mesa com um jeito quase afeminado… Todos ao redor parecem ainda mais tensos, ele caminha na direção de Hannow e apoiando sua mão em seu ombro responde.

– Não era pra você estar aqui, nós fizemos um trato. – E então dá as costas com um sorriso quase feminino e ergue a mão exigindo outra bebida a um de seus seguranças.

Antes que alguém pudesse se mexer Hannow enfia a mão na nuca do elegante rapaz e estoura a cara dele na mesa de granito do bar, todos os “meninos ricos entram em pânico” e todos os “gorilas” sacam suas pistolas e apontam pra Hannow, ele dá uma cuspida na nuca do rapaz e pergunta.

– Agora estamos falando sério?


GOSTOU DESSE CONTEÚDO? QUER VER MAIS SOBRE ISSO OU SOBRE UM ASSUNTO DE SUA ESCOLHA? SEJA UM APOIADOR DO PORTAL E VEJA AS VANTAGENS, CLIQUE NO LINK PARA SABER MAIS